quinta-feira, 19 de julho de 2012

Uma noite fria, que não deveria ser esquecida

Flamengo 0 x 3 Corinthians (18/7/2012)

Frio, muito frio para um morador do rio. 

Saio de casa 1h40min antes do início da partida, meio cá, meio lá, sem ter certeza se estava fazendo um bom negócio. Somando o ingresso(R$20 com uma carteira de estudante... digamos... deixa pra lá...), o trem(R$5,80) e um x-tudo com guaravita(R$5,50), lá se vai quase metade do que gastamos de mercado em uma semana aqui em casa. Nesse momento, o que se passa na minha cabeça é: 
"quantas horas trabalhei para juntar isso...";
"imagine um pai com dois filhos...";
"já fui pro Maracanã pagando R$1 na geral; bons tempos...".
Vale a constatação de que, o x-tudo+guaravita seria consumido apenas 5h depois de ter saído de casa, já que, no estádio, um cachorro quente(apenas salsicha e pão)+guaravita sai pela bagatela de R$8.
Juntando os custos, o frio, e o time do Flamengo, que hoje não motiva muito, a distância entre a Lapa e a Central é um caminho com alto risco de desistência. Caminho vazio, frio. Mendingos, trabalhadores, garis, doentes no Souza Aguiar; as cotias, patos, gambás do Campo de Santana; a Central, que é aquela coisa; o trem...

Os tempos mudaram. Ingressos caríssimos; o público mudou. O trem direto para Japeri (que pára no Engenhão) com uma quantidade razoável de rubro-negros, número este que em época não muito distante, seria mais do que suficiente para que a viagem fosse animada, esquentando a noite. Mas ninguém canta o hino, o "conte comigo mengão", "dá-lhe, dá-lhe Mengo" dentre outras peças do repertório rubro-negro. Infelizmente, tem sido recorrente este fato. Em outras ocasiões, na descrença do que via, tentei puxar... em vão. E o trem segue seu rumo, frio, numa cadência acelerada, sem parar na Mangueira, no Sampaio, Engenho Novo, parando apenas na Silva Freire, que é quase Méier, mas não é. Chegando à estação do estádio, enquanto os torcedores desembarcavam, o maquinista fecha rápido as portas, como se fosse numa estação qualquer, fazendo com que vários torcedores tenham de ir a Cascadura e pegar o trem de volta, que demora. Os amigos zoam.

No caminho da estação até a bilheteria, passando pela Ala Sul, vazia, me deparo com uma cena, no mínimo, curiosa: um candidato a vereador (o 2° no percurso), pede votos cercado por uma equipa de loiras, belas loiras, com muitas curvas e, sobre a principal curva de cada, aquela tida como indispensável no nosso país, uma tela de LED mostrando os feitos do candidato, enquanto diretor de futebol do Flamengo. Após isto, compro meu ingresso, falo com os amigos que estavam tomando suas cervejas nos quintais das casas em frente ao setor Leste - uma das pouquíssimas coisas que deixarão saudades do Engenhão - e subo.

O Engenhão é um estádio frio.

Lá em cima, um vento sudoeste arrepia a rapaziada. Encontro mais amigos; rola aquela resenha tradicional e me posiciono em pé na escada, para não atrapalhar nenhum dos torcedores sentados logo abaixo de uma organizada. Gente sentada perto das baterias de TOs? Os tempos, definitivamente, mudaram...

Começa o jogo. As organizadas mais atrapalham do que ajudam. A Raça puxa uma música, a Urubuzada outra, a Manguaça outra e a Nação12, bem, só ouço o barulho dos pratos "argentinos". E a Jovem, foi? O que os ouvidos percebem é apenas uma massa sonora, um canto sem vigor, cansado, sem consenso, sem definição, deixando claro que as instituições organizadas não abrem mão de seus interesses individuais para apoiar a camisa que veste os 11 do limitado time. Só este fato, para mim, é humilhação. Sorte nossa que a Gaviões devia estar de ressaca, pois, mesmo em período de férias, veio em número reduzido para seus padrões, senão, quem diria, poderíamos sair ainda mais humilhados das arquibancadas.

Logo se vê que o Flamengo é um time meio... meio... meio time, sem um meia de ofício, sem saber o que fazer. O Corinthians facilmente faz 2x0 no 1°T. No intervalo, já sabíamos que não ganharíamos o jogo. Na Torcida do Flamengo acontece essas coisas... a gente sabe; o gol do Pet, o América do México, dentre outras situações, para quem está atento, a atmosfera do estádio denuncía o que está por vir. Mas nem era preciso a mística; a diferença entre os times era gritante, e o Corinthians, com facilidade e autoridade, faz o 3° e, creio eu que por camaradagem do Emerson Sheik, não fez o 4ª de pênalti.

Um fato que me chamou a atenção no estádio é que a proporção de negros, pobres e mal vestidos na torcida do Flamengo era de, na ciência exata do chutômetro, uns 5 para cada 100 brancos/morenos claros. Nenhum sem dente, mulambo, geraldino querendo aparecer, dentre outras figuras-símbolos fáceis de outros tempos. Apenas uma torcida "pasteurizada", fria, sem gosto como leite desnatado. Tiraram a gordura que dava o gosto da Torcida. E isto é mau.

Na volta, peguei carona com uns colegas até a tijuca e, de lá, o 238 até a Lapa. Parada na kombi do Cabeça, o melhor x-tudo do bairro. A chapa fria, devido ao gás ter acabado, faz com que o tempo de espera seja um pouco maior do que o usual. Cabeça, nordestino, corinthiano, me pergunta: "E aí, gostou?"; eu rio e respondo que não. Enquanto como, resolvo dar uma volta pela Lapa, fria, para espairecer. Espio o show do "O Rappa" no Circo Voador e, na volta pra casa, próximo ao Bar da Cachaça, a cena que salva e esquenta a noite:

Um morador de rua, apenas de camisa, junto de dois amigos, todos certamente alcoolizados, me chama e com um enorme sorriso sem dentes, diz:

"Prezado, fica triste não que vai melhorar, vai melhorar."

Amém.

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