domingo, 26 de agosto de 2012

Tentando entender o vazio, do Engenhão e de significados. (parte 1)

Desde que o Maracanã acabou e o Engenhão se tornou casa oficial dos times da cidade, ouço e vejo profissionais do meio esportivo tentando explicar o porquê dos públicos pífios terem se tornado rotina. E, até agora, sem exceção, todas as justificativas ficaram no âmbito da logística: ingresso caro; público mal acostumado com o Maracanã; estádio "longe"; violência; etc. 

Considero todas plausíveis, mas, creio que a principal delas, que afasta de fato a grande maioria dos torcedores do estádio, é o valor do ingresso. 

Associo a esta alguns motivos que não estão no âmbito material (mas que têm causa e/ou consequência nele), os quais seriam, principalmente, o enfraquecimento (ou a não-valorização) do canto e da atmosfera do estádio e dos símbolos e estereótipos que compõem a construção das "imagens/identidades" publicamente reconhecidas de cada torcida. Não sou cientista social, mas, como leigo, me aventuro a tentar escrever sobre. 

O Engenhão é um estádio que não foi planejado para futebol. É um estádio olímpico, onde a torcida  fica separada do campo por uma imensa pista azul, cor esta que predomina também nas cadeiras do estádio. Apesar deu não possuir conhecimento científico algum sobre cromoterapia, creio que a cor azul não combine com o clima de estádio - exceto quando cor do seu time -, pois, já ouvi falar (e sinto) que ela gera em nós humanos sensações relacionadas a calmaria e, por isso, é indicada para decoração de quartos e ambientes onde pretende-se descansar. Uma pessoa que não frequenta estádios e que tem como referência informativa a TV, rádios e jornais, pode até achar sua aplicação nos estádios boa, pois, supostamente, acalmaria os ânimos dos anunciados violentíssimos torcedores; o que se revela como desinformação, já que, normalmente, as tão faladas brigas acontecem fora e longe dos estádios. Além da faixa ser azul e de afastar o torcedor do campo, ela impossibilita que o torcedor-espectador da TV, veja e ouça a torcida, o que consequentemente, não passa a atmosfera do que rola fora do gramado, não gerando neste o desejo de estar presente, de experimentar a intensidade única de se estar no meio de uma torcida, fator este que também é atenuado, atrapalhado, por outro aspecto do projeto do estádio: o tratamento acústico que não valoriza o canto.

No aspecto acústico, o Engenhão é a antítese do finado Maracanã.

Seu formato "semi-caixote" (por conta dos vãos laterais) associado à distância das arquibancadas para o campo e à angulação do teto, são uma catástrofe. O modelo caixote é interessante e bastante utilizado mundo afora. Seu formato de cubo "sem tampa", super compacto, deixa a torcida muito próxima do gramado e gera uma reverberação sonora intensa que causa um fenômeno interessante: o torcedor, ao ouvir a torcida a qual faz parte cantar alto, fica ainda mais animado e tende a cantar mais alto ainda, num efeito cascata, coletivo, que só para quando o fôlego acaba. Pressão total. No caso do Engenhão, por ser um caixote "descompactado", e ainda ter suas laterais vazadas (um "semi-caixote"), essa pressão inexiste, pois, esse efeito de "realimentação sonora" não acontece, e a torcida raramente se "auto-empolga", já que ela não se ouve por conta da dissipação do som. Quem está na ponta de um setor, não ouve o que a outra está cantando, por exemplo. E ainda tem o teto com a angulação para cima, fazendo com que o som se dissipe ainda mais. O finado Maracanã, apesar de gigante, era compacto; tinha as arquibancadas em curva, o que viabilizava um canto "uno" de todo o estádio, já que todos se ouviam; e o teto, com ângulação para baixo, aumentava ainda mais a reverberação, gerando uma experiência única para o torcedor e, por isso, vontade de voltar.

No que diz respeito à localização do estádio, creio que o argumento dele ser longe é falho. Longe de quem? O Engenhão só é mais longe que o Maracanã para uma parte da cidade - mais exatamente, Zona Sul, Centro e Tijuca -, e para os municípios depois da ponte Rio-Niterói, e coisa de 15 minutos de diferença. Para a outra parte (e maioria) da cidade do Rio e municípios da Baixada, ele é mais próximo que o Maracanã. O que de fato pode contar neste aspecto é que o Maracanã é um estádio centralizador: teve uma cidade construída no seu entorno, baseada na sua funcionalidade; já o Engenhão foi um estádio construído, apertado, dentro de uma cidade, tendo assim, o seu acesso mais complicado e limitado.

Mas, será que ninguém se lembra dos públicos mínimos também no Maracanã em sua reta final pré-"reforma"? 

Na próxima ponderação escrita, compartilharei pensamentos sobre como o ingresso caro enfraqueceria certos estereótipos e símbolos essenciais para a construção das imagens e identidades (me perdoem os cientistas sociais pelo termo) das torcidas dos quatro grandes clubes do Rio, o que a longo prazo, poderá ter efeitos irreversíveis.

Até.